quinta-feira, 28 de abril de 2011

Marcego


Para Letícia, linda, de novo...

Criança se encanta com umas coisas que a gente nem sempre entende – será que quando a gente cresce, emburrece?

A Letícia fez um passeio esse final de semana que adorou: foi ao aquário de São Paulo. Entre todas as coisas que ela viu, me falou entusiasmada sobre as que mais gostou: o lobo marinho e os morcegos. Confesso que eu acho essa preferência um tanto quanto estranha – mas o fato é que ela gosta de morcegos, há muito tempo já... eu tento não podá-la, e ficar ouvindo as histórias dela – ouvir as histórias é muito prazeroso, mas tentar não podá-la – pelo menos no que se refere a essa, no mínimo, inusitada preferência por morcegos – esse é um exercício que eu tento praticar.

Já faz uns dois ou três anos, estávamos no carro eu, o Marco e a Letícia, voltando de um domingo na praia. O clima não colaborou muito, estava tudo meio nublado, mas para criança areia e mar sempre é uma combinação perfeita – pelo menos para a Lê. Se tiver sol, ótimo. Se não tiver, tudo bem assim mesmo.

Ao retornar, Imigrantes cheia, como sempre... o carro não estava lá aquelas coisas, e aquela história de ar condicionado ligado, primeira, segunda, primeira, segunda, de repente a temperatura da água começou a subir (sei lá eu as razões mecânicas para o fato, mas isso agora é absolutamente irrelevante...). Sei que desligamos o ar condicionado e abrimos as janelas, para ventilar um pouco. A Lê estava ótima, falante como sempre, contando e perguntado mil coisas, tudo ao mesmo tempo.

Apesar do calor – estava chovendo e o asfalto era puro vapor quente – fechamos as janelas do carro logo, porque estávamos bem em um trecho de serra, e já tínhamos vislumbrado o vôo rasante, muito próximo, de uns três ou quatro morcegos. A Letícia reclamou do calor, e eu expliquei porque tinha fechado as janelas. E aí ela se interessou:

“Tia, mas tá escuro, marcego gosta de escuro?”
“O morcego gosta sim, Lê. Ele enxerga bem no escuro.”
“Tia, o marcego não gosta da gente?”
“Não sei se o morcego não gosta da gente, Lê, por quê?”
“Às vezes ele gosta da gente, e você fechou os vidros, tia.”

A temperatura da água continuava subindo. A minha também...

“Querida, não sei se o morcego gosta das pessoas. Mas é que seria complicado, não é, imagina o morcego voando aqui dentro do carro?”
“Ah, tia, sei.”

Rápido silêncio.

“Tia?”
“Oi, Lê...”
“O marcego tem família?”
“Lê, tem, tem sim, os animais normalmente tem uma família, não é?”
“É.”

Nada da temperatura da água baixar. Em meio a um mar de carros, o Marco consegue sair da última faixa, e alcançar o acostamento, para ver se a coisa resolve. Tensão no ar. E morcegos, também.

“Tia?”
“O que, Letícia?!!”
“O que o marcego gosta de comer?”
“Letícia! Eu não sei o que o morcego gosta de comer. E é morcego, ok? Morcego!”

Desliguei o rádio.

“Tia?”
“Oi, Lê” – suspirei...
“Ele gosta de música?”
“Quem Letícia, o Marco?”
“Nãããão, tia. O marcego.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário