quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Defenestrar

Eles conversavam animadamente no tróleibus (eram dois adolescentes se conhecendo).


De repente, o rapaz brincalhão e bem humorado ouviu da garota com cabelos longos que, se ele continuasse a falar com ela daquele jeito, ela iria defenestrá-lo. Ele ficou curioso, e um pouco quieto, mas, mesmo assim, ela não lhe disse o que era.


Quando se encontraram, de novo no tróleibus, o rapaz sorriu e falou: "se você me encher muito, quem vai te defenestrar sou eu..."


Porque hoje eu contemplei o crepúsculo...
Porque hoje é 30 de novembro.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Perplexidade


Eu estava trabalhando... e ouvi uma conversa ao telefone. A moça dizia "sim, sim, peguei o resultado. Deu positivo." E ela falou "positivo" assim, sem nenhuma inflexão diferente na voz, sem uma entonação crescente... falou positivo mantendo a mesma modulação que colocou na frase inteira. Minha escuta de fonoaudióloga ficou em suspensão: "como alguém pode contar que está grávida assim?!!"

Ela não tinha dito que estava grávida, em nenhum momento. Mas... eu simplesmente soube que era isso, quando a ouvir falar aquelas duas frases. E eu não estava errada. Depois de encerrar a ligação (ela falava com o namorado), a moça comunicou as pessoas que estavam por perto com a mesma vivacidade com que tinha conversado com seu namorado.

Eu, estudiosa da comunicação que sou, fiquei sem entender... os lábios dela sorriam, mas a fala era aquela: monótona, pouco eloqüente. Perplexa, tive dúvidas da minha capacidade para analisar os aspectos suprassegmentais daquela fala - "será que eu estou enlouquecendo? Será que não estou ouvindo?" Não. Não! Aquela fala não era uma fala de alegria, tampouco tristeza. Ela contava ao mundo que estava grávida com... intensidade nula? O que foi aquilo? O que era aquilo? O que?

Costumo celebrar uma pausa para um café na padaria com mais alegria... e brigo pelo que quero com muitíssima mais vontade. Choro minhas lágrimas com a minha alma... e, santo Deus, desconheço outra forma de viver.

Santo Deus! Se fosse eu, sabendo de um teste positivo de gravidez... se fosse eu...

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Aromas

Hoje eu quis um dia duas vezes exato...

O hálito era de hortelã
Mas quando o deixou
Nas mãos
o cheiro acre

Chorou pétalas de rosa
água de arroz
E desejou a vida
de novo
com gosto de anis

Explicação

Uma possível explicação neurocientífica para os atos que nem sempre conseguimos explicar, ainda que seja para nós mesmos...

"Se nos perguntarem o que nos move e motiva, a maioria terá dificuldade em responder. A verdade é que são poucos os que entendem o funcionamento da própria mente. Muitas vezes nos comportamos de maneira irracional, fazemos coisas imprevisíveis, por razões que não são claras nem mesmo para nós (...) Há cada vez mais indícios de que boa parte do que o cérebro faz não chega à consciência: muitas das decisões que pensamos tomar não passam de racionalizações, justificativas que nosso lado consciente dá para as escolhas já feitas pelo subconsciente.

(...) O neocórtex, "casca nova" em latim, (...) trata-se da sede do pensamento racional, tida por alguns como uma espécie de 'centro de comando'. Na verdade, o neocórtex parece mais um condutor empoleirado no lombo de um elefante; às vezes, o homem consegue guiar o animal na direção desejada, mas outras vezes o bicho vai para onde quer, e só resta ao condutor fingir que também queria ir para lá."

Trechos do excelente Uma história da ciência, de Michael Mosley e John Lynch, Editora Zahar (pág. 231). Grifos meus.


domingo, 27 de novembro de 2011

Para ouvir


"And it rips through the silence, all that is left is all... That I hide."

Capitu

Quase num murmúrio, ele confidenciou que nunca a tinha procurado porque, até aquele momento, não tivera coragem.


E ela se lembrou de Capitu. Afinal, como bem descreveu o próprio Bentinho, "Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem". Ela pensou que, se Capitu não tivesse oferecido suas madeixas para Bentinho, ele talvez nunca a tivesse beijado. Nunca teria gritado "Sou homem!". Teria se tornado, quem sabe, protonotário apostólico. Ou, apenas, envelhecido casmurro.


Mas, diferente da história, Bentinho criou coragem. Procurou Capitu e lhe revelou seu amor. Capitu suspirou, se surpreendeu, se encantou, e aceitou.


Bento, ah, Bento! E agora? O que vais fazer?


"Uma fada invisível desceu ali, e me disse em voz igualmente macia e cálida:
'Tu serás feliz, Bentinho; tu vais ser feliz'."

Para compartilhar

"Em 1958 escrevi:

'Não há uma grande diferença entre o que é real e o que é irreal, nem entre o verdadeiro e o falso. Uma coisa pode não ser verdadeira nem falsa. Pode ser ao mesmo tempo verdadeira e falsa.'

Acho que esta afirmação ainda faz sentido e se aplica à investigação da realidade através da arte. Como escritor, como artista, defendo esta afirmação.
... No teatro, a verdade se esquiva, sempre. Quase nunca a encontramos, mas é imprescindível buscá-la. Esta busca é nosso trabalho. Muitas vezes, é no escuro que tropeçamos na verdade, ou esbarramos com ela, ou vislumbramos uma imagem ou uma forma que parece corresponder à verdade.
Mas também, muitas vezes, não sabemos que a encontramos...
A verdade, mesmo, é que não há nunca uma só verdade possível de ser encontrada no teatro. Há muitas."

Harold Pinter

O grifo é meu, e a pergunta que não quer calar, também:

O que você faz quando não sabe que encontrou a sua verdade?
Arrisco uma resposta:
Não ata, nem desata.
Erra.

Para ouvir



"I want so much to open your eyes"
But you're wasting your time.

sábado, 26 de novembro de 2011

Metade



E então a meia verdade – porque a verdade, já sentenciou Drummond, existe apenas pela metade – a meia verdade do outro se fez conhecer.


Para conhecer bem – as meias verdades, sejam as nossas ou as dos outros – é preciso ouvir atentamente. Ouvir com atenção, ouvir com o coração. Silenciar sua mente, o mais que puder, e ouvir. Ouvir com a alma.


Eu ouvi com a minha alma. E descobri que na meia verdade do outro está a inteireza da sua dúvida. Porque a palavra e o ato não pactuam. Ato e palavra são contraditórios. A palavra sinaliza um caminho. O gesto executa outro. Até quando?


Há que se respeitar o tempo de travessia, de cada um, na vida. Mas é preciso, tanto quanto, respeitar o nosso próprio tempo. Às vezes a gente pensa que ancorou no porto – nossas meia verdades. Está na hora de reescrevê-las... vou içar as âncoras, e navegar em alto mar.


Ainda não é chegado o momento de aportar.


"Não se comprometa. Tudo o que você tem é você mesma." Betty Ford

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Verdade

Verdade - Carlos Drummond de Andrade


"A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.

Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia."



Qual sua verdade? A minha exata, explícita, rasgada verdade, hoje, é: dói esperar. A minha exata verdade, hoje, é: queria celebrar. Eu colhi meu dia. Eu o celebrei. Mas eu o colhi, eu o celebrei... sozinha.


E... por mais que tenha paciência... por mais que tenha esperança... isso dói. Visceralmente. Dói.

Colligere

Infinitivo latino que originou o verbo "colher" - a palavra exata para quinta, 24 de novembro de 2011.


Minha avó se orgulhava, muito, de ter no armário copos da época do seu casamento. Os copos eram lindos, realmente. Dois conjuntos distintos, ambos azuis, um mais claro, e com formas arrendondadas. O outro, mais escuro, com entalhes floridos no entorno, mais requintado.


Eu olhava pelo vidro do armário e ficava sempre admirada, pensando em quantas e quantas vezes minha avó não se permitiu usar aqueles copos. Eles tinham chegado até a minha geração, é verdade – e deve haver ainda alguns remanescentes, que tenham alcançado os mais novos descendentes da minha avó, seus bisnetos. Deus do céu, que tristeza! Preferiria mil vezes ter conhecido aqueles copos apenas em fotografias.


São poucos os copos que se salvaram depois de 5 anos de casamento. Há conjuntos que já se foram, todos – inclusive um também com formas arrendondadas, que eu gostava muito, talvez por me fazer pensar nos copos da minha avó. Das taças de vinho, ainda ficou uma do primeiro conjunto, só para contar história.


Porque os dias, nesta casa, foram sempre colhidos. Carpe diem, ou carpe noctem, cada instante, belo ou triste, sempre foi lembrado, sentido, vivenciado. A vida existe assim – em gotas, em instantes – e eles não podem, nunca, ser ignorados.


São os instantes que alimentam a alma, e aquecem o amor.


Para a gente não esquecer nunca... precisa colher a vida!

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Ironia


Não acreditava na sorte – fosse ela boa ou má.


Naquele dia, entretanto, fosse porque ele pediu café e lhe entregaram um capuccino... fosse porque choveu uma tempestade como há muito não se via... fosse porque tudo já estava, no fim das contas, fora do lugar... ele resolveu tentar.


Ligou para o número indicado. Fez o pedido seguindo as instruções. Pediram que aguardasse cerca de 40 minutos. Nunca o escoar dos grãos de areia lhe pareceu tão devagar.


No tempo indicado, entregaram-lhe sua encomenda. Ele, que jamais teria alterado a ordem das coisas, foi direto ao final: abriu ávido a embalagem, e quebrou o biscoito da sorte. Sorte ou azar, ele jamais saberia: naquele dia, o papel veio em branco.

Declaração

A exata palavra para terça-feira, 22 de novembro.


Acordou de sobressalto no meio da noite. O coração, em desalinho. A respiração, descompassada.


"Eu vou te amar para sempre porque você ama a vida. Eu vou te amar para sempre porque você pulsa vida. Eu vou te amar para sempre porque, quando eu te amo, a minha vida fica mais bonita. Eu vou te amar para sempre porque, quando eu te amo, eu amo mais a minha própria vida."


"Eu vou te amar para sempre porque com você tudo ganha outro sentido. Eu vou te amar para sempre porque, ao seu lado, tudo fica mais fácil. Eu vou te amar para sempre porque, agora, você é o meu motivo."


"Eu quero – e vou – te amar para sempre. Mas se um dia, eu deixar de te amar – e eu vou ser louco se deixar isso acontecer – eu vou te avisar. Porque você não merece, jamais, não se sentir amada. Porque você ama a vida, porque você ama viver, você merece muito amor."

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Suporte


A palavra exata para 21 de novembro de 2011, segunda-feira.

Suportar, do latim supportare, tem as seguintes acepções no Dicionário Pasquale: 1. Sustentar o peso de, ter sobre si; 2. Sofrer com paciência ou resignação, agüentar, tolerar; 3. Fazer face a, resistir, ser firme; 4. Estar à prova de.

Em nosso dia-a-dia, nós suportamos muitas coisas – o trânsito caótico, falta de gentileza, intolerância, pressão por resultados, metas impossíveis a alcançar... essa lista pode se tornar, facilmente, interminável. Discutir os efeitos do que efetivamente nós suportamos ou não – e a que preço – também pode ser uma discussão válida, mas não o tema principal deste post, agora.

A questão que se propõe é de outra natureza: ao nos relacionarmos, com nossos amigos, que são as pessoas que elegemos para amar... com nossa família... com a pessoa que escolhemos viver e que desejamos, sincera, profunda e ardentemente, ter ao nosso lado – essas pessoas, essa pessoa, não, nós não devemos suportar. Familiares, amigos queridos, o ser amado – para essas pessoas, nós devemos dar suporte, não suportar.

Dar suporte – dar carinho, atenção, cuidado. Oferecer apoio pacientemente, ser um sustentáculo, permitir que o outro cresça. Amparar sem embaraços. Sustentar amorosamente.

Perceber-se suportando, ou dando suporte – aceitar o amparo, ou recusá-lo, por não se saber, ou não se sentir merecedor – as raízes para o entendimento, ou não, de muitas relações, está aí. Uma vez mais, a questão é simples: o que se enxerga? O que se quer enxergar?

domingo, 20 de novembro de 2011

Encontro

Deus está sempre comigo. Mas, hoje, eu o encontrei. À luz do meio do dia, na igreja de Pe. Anchieta... a Orquestra de Arte Barroca executando belamente Verão, de A. Vivaldi. Êxtase. Eu estive lá... e lá me encontrei com Deus.

"Milagre... poder olhar, poder ouvir." R. Alves.


Clarice

As exatas palavras para sábado, 19 de novembro de 2011, por Clarice Lispector.
Porque "eu mesma não posso".


"Ouve-me, ouve meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Quando digo "águas abundantes" estou falando da força de corpos nas água do mundo. Capta essa outra coisa que na verdade falo porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio." in Água Viva.


"Tudo o que poderia existir, já existe. Nada mais pode ser criado senão revelado." in Perto do Coração Selvagem.


"Há muita coisa a dizer que não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido. E o que é proibido eu adivinho. Se houver força. Atrás do pensamento não há palavras: é-se. (...) Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és." in Água Viva.


"Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata." in A paixão segundo G. H.

sábado, 19 de novembro de 2011

Milagre

Para 18 de novembro de 2011, sexta-feira, meus 33 anos.

Claustrofóbica que sou, decidi dormir com a parte externa da janela aberta, e fechei o vidro (meu Deus, e o ar circulando?!!). Queria ver a noite – que adivinhei estrelada, lá onde meus olhos não podiam enxergar – transformar-se em dia. O meu dia.

E o meu dia amanheceu azul, sol brilhando, aquecendo a terra, o vento ainda úmido e frio balançando as folhas das árvores que avisto pela janela.

Eu, que amo celebrar a vida, quis acordar com a luz do dia assim, enchendo o quarto, acordando meus olhos. Porque viver é isto: um milagre. Como já bem escreveu Rubem Alves, os milagres acontecem todo dia... milagres são "minhas mãos, meus pés, o ar que respiro". Milagre é poder olhar, poder ouvir. Os milagres não estão lá, a espera. Eles acontecem todos os dias, em mim e em também em você.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Para compartilhar

Essas palavras sempre ecoarão em mim...

"Gosto de viver. Em algumas ocasiões estive desesperada, a tristeza me atormentou e me senti miserável; mas, apesar de tudo, sei com certeza que simplesmente estar viva é algo maravilhoso."

Agatha Christie (grifo meu)

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Leitura

Quando as palavras são exatas?

Quantas são as leituras possíveis?

O que escrevo, como é lido por você? Qual é a leitura exata? O quanto a leitura de uma palavra, de uma frase,  de um momento, depende do contexto? O quanto depende de seu conhecimento prévio? O quanto depende do status quo? Quais são as circunstâncias que tornam a leitura exata?

Quando escrevo um texto que não é científico... quando não estou escrevendo com o rigor necessário em uma pesquisa... como avaliar a primazia de um texto reflexivo? Como considerar a verdade das palavras que me são exatas? Quão exato é um sentimento? Nossas ações são exatas na medida em que refletem nossos princípios? E nossos sentimentos?

Onde está a exatidão, em nossas vidas? Qual a exata leitura da sua vida, no momento exato em que você lê essas palavras? Você está exatamente onde, e com quem deseja estar?

Existe exatidão... na vida?


"Nós vivemos dentro de uma possibilidade de ver que é nossa, que vê nem - supondo que nossos olhos são sãos, normais - que vê nem... nem de menos, nem de mais. E para tornar isso claro, eu digo que, se o Romeu, da história, tivesse os olhos dum falcão, provavelmente não se apaixonaria por Julieta. Porque os olhos dele veriam uma pele, que.. não seria a verdade de se ver."
José Saramago


"A realidade real não existe, na verdade. Sempre é um olhar, um olhar condicionado. Cada experiência de olhar é uma experiência. A gente não conhece as coisas como elas são, só mediadas pela nossa experiência."
Paulo César Lopes.

Ambos no lindo Janela da Alma. (grifos meus).

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Apartar-se


Está lá, é bíblico: há o tempo de abraçar, e o tempo de afastar-se de abraçar.

Precisamos entender – sempre – que não controlamos tudo ao nosso redor. Mas não podemos – jamais – abrir mão da parte que nos cabe. A justa medida. A justa medida, nada menos nem além disto.

Escolhas implicam, sempre, em renúncia. Ainda que machuque – e está machucando, muito. Muito. Visceralmente. – eu renuncio. Sacrifico o agora.

Por que, se perdemos nossos princípios, nossas verdades, o que será de nós? O que será de nós se perdermos nossas essências? Se não estivermos inteiros, íntegros, se não houver cuidado...

Nada de bom pode, de fato, nascer assim.


“Se o tempo foi...
Você marcou presença onde não havia valor
(…) Minha mente só me traz você.”

Parúsia, Rosa de Saron.

O amor é um grande laço, um passo pr'uma armadilha
Um lobo correndo em círculos pra alimentar a matilha

(..) O amor é como um raio galopando em desafio
Abre fendas, cobre vales, revolta as águas dos rios

(...) E o coração de quem ama fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando, que nem o meu nos seus braços.”

Faltando um pedaço, Djavan.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Excertos

As palavras exatas para hoje... todas já foram escritas, e bastou a mim transcrevê-las... deleitem-se, como eu me deleitei, relendo.

“Não existem declarações de amor com sinceridade absoluta. Muito menos elogios, jantares, casamentos e literatura. Jamais houve um só verão que tenha sido vivido com franqueza. A própria imaginação do tempo embaralha as lembranças com o que não aconteceu, para que nossa própria existência entre para o álbum de família como mais interessante. Mentem com veracidade os que escrevem diários (…) E todos salvam heroicamente as existências pessoais e alheias da completa mediocridade.”

Papel Manteiga para embrulhar segredos – Cartas Culinárias, Cristiane Lisbôa (p. 57)


“ 'Não, Pablo, não' – supliquei-o beijando na face, muito perto da boca. 'Eu vou ser Cora para você, somente para você.' (…) Ainda lhe acariciei um pouco o cabelo, arrumei as cobertas esperando que me dissesse alguma coisa, mas ele estava muito longe e senti que se eu ficasse o faria sofrer mais.”

Todos os fogos o fogo, Julio Cortázar (p. 90)

Todos abaixo em Um Dia, David Nicholls:

Trinta e poucos anos
Às vezes você percebe quando os seus grandes momentos estão acontecendo, às vezes eles surgem do passado. Talvez seja a mesma coisa com as pessoas.” James Salter, Burning the Days (p. 209)

"– Estou falando sério, se você se aproveitar de mim ou me decepcionar ou me enganar pelas costas, eu mato você. Juro por Deus, eu devoro o seu coração.
– Eu não vou fazer isso, Em.
– Não?
– Juro que não.
Emma franziu o cenho, meneou a cabeça e abraçou-o mais uma vez, apoiando a cabeça no ombro dele, soltando um grunhido quase raivoso.
– O que foi? – ele perguntou.
– Nada. Ah, nada. É que... – Olhou para ele. – Eu achei que finalmente tinha me livrado de você.
– Acho que você não vai conseguir fazer isso – respondeu Dexter." (p. 332)

Trinta e tantos anos
“Eles falavam muito pouco do que sentiam um pelo outro: não havia necessidade de frases bonitas e pequenas atenções entre amigos tão experientes.”
Thomas Hardy, Far From the Madding Crowd (p. 333)



segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Rosa

Três meninas de rosa... em três momentos distintos do dia.

Manhã. Ela dançava ao som do piano. Nova, não mais que 5 anos, na aula de balé. Linda, pequena, formas arredondadas, algumas mechas de cabelo soltas do coque, bailando ao sabor do compasso que ela seguia. Pequena borboleta rosa.

Início da tarde. Cabelos castanho escuros, encaracolados, a blusa rosa florida combinando com o bolso rosa da calça jeans. Seis anos? Ela parecia um pouco cansada, assim como a mãe – seria o calor daquela hora? Esperavam pelo ônibus. Ainda que não estivesse correndo como o garoto ao seu lado – seu irmão? – os olhos curiosos e faceiros não perdiam um só detalhe do que se passava ao redor... até que encontraram os meus, e sorriram pra mim. Pequenina andarilha sorridente.

Fim da tarde. A garota pequena e falante, cabelos loiros na altura do ombro, com uniforme azul e branco da escola, laço e mochila cor-de-rosa, agitava a pequenina mão, feliz, acenando para sua avó, que estava do outro lado da rua. Ao mesmo tempo, conversava animadamente com seu avô, que olhava encantado, ora para ela, ora para a senhora que esperava o farol abrir. Pequenina flor rosada, pequeno fruto, promessa de futuro.

Mergulho


Ou sonho. Ou reconhecimento.
As exatas palavras para domingo, 13 de novembro.

O silêncio do dia a fez mergulhar em si mesma. Quando deu por si, navegava dentro da própria casa – que não era, senão, a própria vida. Casa pequena, aconchegante, na sala um sofá bom para esparramar. Música suave. Plantas e cores por todo o lado. A cozinha recendendo sabores, aromas, amores. A casa plana, o quintal pequeno, as árvores, uma bicicleta na garagem. A casa do irmão, perto dali. Flores e árvores pelas ruas. O dia com a luz da hora que mais gostava: o crepúsculo. O dia bondoso e comprido – em suas horas cabiam o trabalho, o café, a livraria ou a piscina, o jantar.

Nunca demorou-se tanto em um mergulho... mas quando dele acordou, sabia – de novo – o que fazer. A vida – uma vez mais – a acolhia, e lhe mostrava qual caminho seguir.

"Há um vilarejo ali
onde areja um vento bom
Na varanda, quem descansa
vê o horizonte deitar no chão"

Versos do lindo Vilarejo, Marisa Monte.

Reverberação


A palavra exata para sábado, 12 de novembro de 2011.

Os sons produzidos no dia anterior reverberaram... e o gosto agridoce da lágrima – inevitável, amar dói – ainda se fez sentir.

Tal como em uma orquestra, há muitos sons por harmonizar.

sábado, 12 de novembro de 2011

Vazio

A palavra exata para sexta-feira, 11 de novembro de 2011.


A xícara de café ainda está sobre a mesa.
A comida do jantar, sobre o fogão.
A lâmpada do escritório, ainda queimada.


Quando o verbo – precursor da ação – não é seguido do ato
Tudo esvazia
Tudo perde o sentido
O significado


Palavras vazias...
É melhor não resistir
Desista.


"Palavras, apenas
Palavras pequenas
(...) Palavras ao vento"


Cássia Eller, Palavras ao Vento

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Diacrítico

Teu nome
na minha boca

Ora suave
Ora denso

Modulo cada vogal
Inflexiono o diacrítico

Pronuncio lento

Os sons ascendem
e descendem

a língua
e seus movimentos

Teu nome
na minha boca
eu saboreio

Teu nome
na boca
minha

eu desejo.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Íncola


Navegou por águas desconhecidas
Até avistar a terra de seus sonhos
e ali aportar


Inimaginável
Inesperado
Insuspeito


Surpreendentemente
de repente
íncola de mim

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Profunda

Vai ter coragem? Precisa, muita.


Você quer? Precisa querer e cuidar, muito.


Eu sou assim.


Para compartilhar

Um paciente querido, também leitor deste blog, me entregou hoje um poema.

E eu fiquei feliz muitas vezes... por vê-lo escrevendo tão bem... por saber que meu trabalho tem sido importante na vida dele... e porque estamos juntos, em momentos tão especiais de nossas vidas.

Em tempo: J. é afásico – afasia, para quem não sabe, é um distúrbio de comunicação decorrente, normalmente, de um AVC – como aconteceu com ele. Comunicar-se com desenvoltura é uma conquista imensa para quem teve afasia.

J., muito obrigada pelo carinho!



Sentimento maior


Enxugue os olhos que a tristeza te faz mal
Quebre as amarras já se foi o vendaval.
A escuridão já se rendeu à luz do sol.

Sinta que a vida é bela e se renova nas manhãs
Deixe de lado seu rancor enfim...

Se a dor é forte o sentimento é maior
Varrer as cinzas que restaram no chão

Vai que a vida é bela
Abre a janela deixe a luz do sol entrar.

Certeza?

A palavra exata para 07 de novembro de 2011, segunda-feira.


A Noemi Jaffe escreveu um post lindo, sobre "perder certezas", a medida que envelhecemos. Lembrei deste post hoje... e essa lembrança silenciou um pouco a tristeza.


É mesmo tão bom assim não ter certeza de mais nada nessa vida? Por que o tempo está mesmo passando... e minhas certezas estão indo embora, junto com as horas do dia.


Quanto mais será preciso desconstruir? Quando irei reconstruir?

domingo, 6 de novembro de 2011

Esperança


Dum spiro, spero.

Esperança – definida pelo dicionário como uma das virtudes cristãs, ao lado da fé e da caridade. Também entendida como o ato de esperar algo ou alguém, aguardar o cumprimento de uma promessa.

Porque, em todos os sentidos possíveis, você esperou. Porque existe fé, e caridade, e amor. Porque eu também creio, e tenho fé, e busco a caridade. Porque eu amo.

Por tudo isso, eu espero. Por tudo isso, eu vou esperar.

Pandora

A palavra exata para sábado, 5 de novembro.

Marcus, amigo querido... que bom que você está comigo. Eu não conseguiria, sozinha.

Deus do céu. Abri a caixa de Pandora. E foram muitas as palavras que saíram de lá...

Descoberta, fecunda, imperatriz, estrela, sacerdotisa.
Presente, passado, futuro.
Amizade, abismo, esperança, tohelet, tiqewah.
Sacerdotisa. Imperatriz, de novo e de novo. Criatividade, fertilidade, ciclo. Roda, fim, início. Entendimento. Esclarecimento.

Precisa coragem, para abrir sua caixa. Precisa coragem, para descobrir o que foi guardado – por nós mesmos – lá.

Pandora somos todos nós. Precisamos, todos nós, deixarmo-nos ser Pandora. Precisamos, todos nós, de coragem – para abrirmos nossa caixa. Precisamos, todos nós, mais do que querer ser feliz, permitimo-nos ser.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Tristeza

A senhora, idosa e avó, lhe falou sobre os filhos e os netos. Um a um, percorreu os retratos, narrando os fatos, viajando no tempo. Escolheu as palavras com cuidado, fez fio e trama, tecendo e recontando a própria história.


Ao mirar o retrato de um bonito rapaz, deteve-se por mais tempo. Alisou a superfície do vidro, os dedos passeando pela face e os cacheados cabelos. Anunciou: "Meu filho morreu jovem, faz muito tempo. Ele tinha 18 anos aqui."


A jovem ouviu o relato emocionada. Desejando, entretanto, que a tristeza não se instalasse, voltou a lhe perguntar sobre os filhos e netos – vivos, promessas de futuro. Ao que a sábia senhora lhe falou: "veja, é que estou assim hoje, triste. Todos temos dias assim."


A jovem então se resignou... Tudo o que pode dizer à senhora foi: "que Deus console seu coração de mãe." Sim, todos temos dias assim. Horas antes, era ela própria quem tinha chorado, pelo filho sonhado e negado.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Adormecido


"Despierta corazon dormido."

Estivera tanto tempo à procura. Tanto tempo, a pergunta sem resposta – por quê? Tudo à sua volta era importante, não negava. Todos os caminhos que tinha percorrido eram, afinal, sua própria história – a soma de tudo o que escolhera, e, certamente, de tudo o que deixara para trás.

Sabia-se carente, entretanto, de algo maior. Afinal, qual o sentido de tudo? Haveria um tempo? Haveria, de fato, um lugar, em que alcançaria entendimento? Haveria um tempo em que a verdade encontraria seus sentimentos?

Ainda que não tivesse as respostas, caminhou. Decidiu que viveria sua história, seria senhor de seu destino, e motivaria sua vida de todas as formas que estivessem ao seu alcance.

Porque ele não parou... porque ele arriscou... a vida um dia bateu à sua porta, e seu coração, afinal, despertou.

Na almofada, a frase que me inspirou: "Despierta corazon dormido"
Essa imagem linda é do museu/ casa da Frida Kahlo, lá no México.
A Ivana está lá, e tem postado umas fotos lindas, no Doidivana.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Vela


Para aquela que formou meu caráter, moldou meus princípios, e sempre esteve comigo.


Não tenho esse hábito. Mas hoje, dia de lembrar dos mortos, senti vontade de acender uma vela em memória de minha avó. E o fiz.

A chama tremulou tranqüila. E, para além do momento da morte, pensei na vida da minha avó. E como sua história se entrelaçou com a minha.

Vidas entrelaçadas por razões que eu nunca, de fato, irei conhecer. Amor gratuito, generoso, grandioso. Cuidado sem esperar retorno. Desvelo constante e amoroso.

De minha avó sou devedora, eterna. A ela devo tudo o que tenho, tudo o que sei, tudo aquilo em que acredito, tudo o que sou.

A chama de sua vida se apagou... mas continua alimentando, dia a dia, a chama da minha.

Avó amada... avó querida. Amor e saudades, sempre.

Bendito

A palavra exata para 1o. de novembro, terça-feira.


Bendita seja a espera. Benditos sejam todos os percalços e obstáculos. Bendita história de vida. Bendita decisão mudada em cima da hora. Benditos sejam todos os imprevistos. Bendito primeiro dia. Bendita promessa. Bendita desatenção. Bendita dúvida. Benditos sejam os erros naquela redação.

Ah, bendito fruto! Bendito fruto.

A vida leva você por caminhos que você não necessariamente planejou, e o coloca exatamente onde você precisa – e, sobretudo, onde sempre desejou estar.


"O amor é a coisa mais alegre. O amor é a coisa mais triste. 
O amor é a coisa que eu mais quero."
 Adélia Prado

Para compartilhar

Rubem Alves... encanto, sempre.


Encontro e separação
Amor é isto: a dialética entre a alegria do encontro e a dor da separação. E neste espaço o amor só sobrevive graças a algo que se chama fidelidade: a espera do regresso. Quem não pode suportar a dor da separação não está preparado para o amor. Porque amor é algo que não se possui, jamais. É evento de graça. Aparece quando quer, e só nos resta ficar à espera. E, quando ele volta, a alegria volta com ele. E sentimos então que vale a pena suportar a dor da ausência, pela alegria do reencontro.


(grifo meu)
in Ostra feliz não faz pérola.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Drummond


Salve 31 de outubro - diaD!

Hoje – ou quase... – a palavra exata não é minha... e nem poderia!
Drummond, Drummond, Drummond... exatas palavras, sempre.

Estas, em particular, são inspiração constante para este blog:

A Palavra

Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.

Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.

in A Paixão Medida.


Certas Palavras

Certas palavras não podem ser ditas
em qualquer lugar e hora qualquer.
Estritamente reservadas
para companheiros de confiança,
devem ser sacralmente pronunciadas
em tom muito especial
lá onde a polícia dos adultos
não adivinha nem alcança.

Entretanto são palavras simples:
definem
partes do corpo, movimentos, actos
do viver que só os grandes se permitem
e a nós é defendido por sentença
dos séculos.

E tudo é proibido. Então, falamos.

in Boitempo.



Hiato

A palavra exata para domingo, 30 de outubro de 2011.

Com um fundo musical que fala por si só: