quarta-feira, 18 de abril de 2012

Fecundo

Ama-se a idéia antes do fato.
Ama-se o filho muito antes de ele nascer.
Ama-se a concepção. Ama-se a geração.


Ama-se a semente, antes do fruto.
Ama-se a semente, ama-se a essência, ama-se o cerne.


Por que não amar o homem que existe, ainda que adormecido?
Por que não amar o gérmen? Por que não amar a fagulha?


Qual o valor da vida, se não pudermos dizer:


"Vem, planta aqui as tuas raízes.
Sou terreno fértil.
Vem, e cresce, sem medo, em mim".

domingo, 8 de abril de 2012

Para compartilhar


sulco
por Noemi Jaffe


"foi com um espanto grave que li, nesta semana, que o hábito forma sulcos no cérebro e que, quando os estímulos nervosos atravessam os caminhos sulcados, caem inevitavelmente nessas depressões encefálicas, obrigando-nos a repetir nossos gestos e reações. decreto que a função dos poetas é, desde sempre e para sempre, pular, desviar-se, preencher e criar outros sulcos no cérebro, mais rasos, mais numerosos, mais enganosos".


Estamos mesmo decidindo os caminhos de nossa vida? Ou caimos, dia após dia, nos sulcos do hábito?

Fio


Páscoa.


Época, sobretudo, para renascer.


Reuniu forças, em um desejo sincero, e cercou-se de músicas, e de mensagens, e de palavras, de fitas de cetim, de cheiros e aromas. Buscava atiçar a memória de todas as formas. Olhou dedicatórias em livros, encontrou azeites e vinhos e funghi porcini na cozinha.


Dias atrás, a vela que lhe fora dada por um velho senhor gentil, na procissão, apagara vezes seguida, e ela a reacendera, até que aprendeu a manejá-la, a protegê-la contra as rajadas do vento, e a chama seguiu seu curso, por vezes mais impestuoso, mais intenso, e outras vezes mais tranquilo, até a vela toda se consumir.


E agora, ferida tantas vezes no mesmo lugar – Deus do céu, tantas e tantas vezes no mesmo lugar! – sabia que conseguiria renascer. Renascia, sempre. Só não sabia mais do sentimento em si. Esse, por mais que quisesse, não sabia mais se iria conseguir fazer reviver.


La esperanza dice "quieta, hoy quizás sí..." 
Rosas, La Oreja de Van Gogh

domingo, 1 de abril de 2012

Solitude

Quando você tem a exata noção de que está só – de que somos sós...


Não importam os amigos. Não importa a família. Não importa o seu trabalho. Não sei se – e quanto, se este for o caso – importam as suas escolhas.


Sei que não quero me embriagar. Não quero me entorpecer. E não falo desta ou daquela substância que me alteraria a consciência. Falo das ações que nos afastam da dor que esta consciência possa provocar – a de saber-se só.


Não posso – e não vou – embarcar na auto-comiseração. Não posso –  e não vou – obliterar a minha visão de mundo com as verdades absolutas propostas pela prática religiosa fanática. Não posso – e não vou – mergulhar no trabalho a tal ponto de não ter tempo para viver as demais áreas – as fundamentais áreas – da minha vida. Não posso – e não vou – fazer de uma relação um ancoradouro da minha existência.


Obstante tudo isso... olho para todas as coisas... olho para todas as pessoas... olho para mim mesma... e vejo a efemeridade em tudo.


Tendo consciência de mim mesma, de tudo e todos que cercam...


Tendo consciência da minha solitude, da minha finitude, de meus desejos e escolhas... uma só coisa, afinal, me parece acertada: colocar meu coração, minha chama, minha anima... no viver.


Só isto. E isto já é o bastante.