Para Flávia Helena, e suas histórias com saudades da infância.
Ela carregava nos braços maços de orquídeas que tinha acabado de colher no quintal. Andava por entre as árvores com o porte esguio e a cabeça erguida, tal qual uma rainha. “Sou uma rainha” – pensou. De repente, lembrou-se dos restos de pano vermelho que a mãe tinha deixado no cesto, pedaços de pano que não foram aproveitados no vestido que a dona Marina, chique como ela só, tinha encomendado.
Depositou as orquídeas, brancas, rosadas e amarelas, no chão, com cuidado, e correu em direção ao quarto de costuras da mãe. Por sorte, ela não estava lá. A mãe era dócil, mas não gostava de ser incomodada quando estava na labuta, como dizia. “Ainda mais se tem uma cliente comigo, você sabe como são essas madames, Helena.” Agachou-se e achou no cesto tesouros em forma de restos de pano: sedas azuis, flanelas estampadas, lãzinhas brancas, e, entre eles, o maravilhoso vermelho do vestido da dona Marina. Que tecido era aquele mesmo? “Cetim, acho que é esse o nome que a mãe falou.”
Na verdade, o que ela tinha em mãos eram apenas seis ou oito pequenos pedaços de pano, resultado dos acertos de barra, das mangas, e os dos ajustes finais do vestido. A mãe vivia cheia de encomendas das madames da cidade, mas, ainda assim, o cesto com as sobras de pano nunca estava cheio, porque a mãe não gostava de ficar com o tecido das madames; fazia questão de devolver todo pedaço de fazenda que pudesse ser aproveitado. “Onde já se viu roubar os outros? Não é meu, não fui eu que comprei, devolvo.” Helena já tinha ouvido isso inúmeras vezes, principalmente quando pedia para a mãe fazer um vestido, bem bonito, com o que sobrasse de tecido de alguma cliente. Já tinha visto tantas vezes a Júlia com vestidos floridos, azuis, vermelhos, lindos, lindos. Tinha certeza que a dona Maria, a mãe de Júlia, fazia aqueles vestidos com sobras de tecidos de suas clientes – ela também costurava para fora. Mas a mãe de Helena não cedia.
“Não tem problema, vou ser uma rainha assim mesmo.” – pensou. Espalhou os pedaços de tecido no chão, o vermelho ficou destacado e ainda mais bonito em cima dos tacos de madeira. Juntou-os da melhor maneira possível, e com o auxílio de uma fita adesiva, colou-os. “Seria melhor se eu costurasse, mas ainda não sei... Está na hora da mãe me ensinar.” Pedir para a mãe não adiantaria, ainda mais àquela hora, ela devia estar ocupada preparando o almoço. E ela tinha que ser rainha, tinha que colocar seu manto já.
“Meu Deus, as orquídeas!” – lembrou-se. Voltou correndo para o meio do quintal; lá estava, deixado sob a sombra da jabuticabeira, o maço de orquídeas. Começou a prender nas alças do vestido seu manto improvisado, de um vermelho majestoso, “como convém a uma rainha” – riu de si mesma. Aí então teve a idéia de fazer uma coroa, “como pode uma rainha sem coroa?”
Começou a cantarolar “como pode o peixe vivo, viver fora da água fria”, e ficou cirandando sozinha, para lá e para cá, e o manto rodopiando junto, no mesmo compasso. “Mas como vou fazer uma coroa?” Estava cantarolando e rindo quando a mãe gritou da cozinha: “Helena, vá se lavar que o almoço está quase pronto!” A mãe não gostava de ser desobedecida, e Helena gritou: “Já vou, mãe!” Mas ainda tinha que fazer a coroa. “Já sei, uma coroa de orquídeas!” – quase gritou, e ficou muito feliz consigo mesma por ter tido uma idéia tão genial. Resolveu que faria uma coroa com algumas das orquídeas que já tinha colhido, porque se a mãe percebesse que tinha tirado tantas flores de uma só vez, iria ralhar com ela. As orquídeas davam sozinhas naquele imenso quintal, e a mãe nunca brigava com a filha por ela brincar com as flores, exceto quando ela se excedia, e arrancava muitos maços de uma só vez. Como já tinha muitas orquídeas nas mãos, decidiu usá-las. “Helena!” – a mãe gritou de novo. “Mãe, já vou!” – gritou em resposta. “Pôxa, mas será que a mãe não pode esperar um pouco? Logo agora que eu tive uma idéia para a minha coroa. Como vou ser rainha sem coroa?”
Começou a separar as orquídeas rosadas – decidiu que sua coroa teria aqueles tons, porque iria combinar com seu manto vermelho.
Neste instante, percebeu que a mãe conversava com alguém. Correu até a janela da sala, e notou que a mãe estava atendendo uma cliente. “Mas que hora feliz para essa cliente chegar!” Certamente aquela senhora não tinha marcado hora, a mãe procurava não agendar provas perto da hora do almoço. Helena, entretanto, ficou exultante, e voltou para seus importantes afazeres.
Separou três ramos de orquídeas, bem floridos, cujos tons variavam do rosa bebê até um vermelho esmaecido. Foi torcendo os ramos, um no outro, com força e cuidado, para que não as flores não desprendessem dos ramos. Trabalhou um pouco, e um pouco mais, até que exclamou: “Terminei!”. Feliz, estendeu sua coroa florida para o alto, para o momento supremo de sua coroação. Colocou sobre sua cabeça a bela coroa, enlaçou nos braços os ramos de orquídeas brancas e amarelas, manto vermelho sobre os ombros, e andou para lá e para cá, por entre as árvores, rainha daquele quintal, senhora de sua infância.
Quando pensava nos decretos que iria determinar em seu reino – “todos devem brincar, todos os dias” – a mãe apareceu na porta: “Menina, venha almoçar agora!” e entrou de novo. Helena conhecia a mãe: sabia que, quando ela aparecia na porta, não estava para brincadeiras. Deixou seus aparatos de rainha, flores, coroa e manto, junto da porta da cozinha, e, antes de entrar, pensou: “acho que à tarde vou ser fada”.